Alguns leitores lembrar-se-ão das minhas impressões de Bilbau, quando lá estive há quatro meses.
Lá regressei na passada segunda-feira, tendo retornado ao rectângulo estrelicadinho, obra de Abril, já hoje de manhã. Como habitualmente sempre que viajo em trabalho, o tempo não sobra para grandes explorações da urbe, mas mesmo assim desta vez tive oportunidade de visitar o Museo de Bellas Artes. E posso dizer-vos que as expectativas foram claramente alcançadas. Só visitei a ala mais "clássica" (que vai do século XIII ao XX), ficando para outra oportunidade a secção moderna. Aquela está espraiada por 32 salas e inclui sobretudo pinturas de artistas espanhóis (incluindo muitos bascos, como o mais conhecido: Zuloaga), mas também flamengos e franceses. Impressionaram-me especialmente duas obras flamengas (infelizmente não reproduzidas no site): "Batalha Naval" de Cornelius de Waels e "Os Horrores da Guerra" de autor anónimo flamengo, em ambas ressaltando o absurdo e drama dos conflitos humanos, com uma expressividade arrepiante.
Há muitas obras espanholas de boa factura, como um retrato da princesa Joana de Portugal, de 1557 (infelizmente a minha memória não reteve o autor) ou obras mais "engagés", como o retrato de cenas em ambiente humilde / operário, de que o basco Arteta é lídimo representante (a indicação do local da sua morte, Cidade do México, alguns anos após a Guerra Civil, mostra também as consequências ao nível pessoal desse compromisso político). Outro autor do século XX cujo nome se me varreu tem algumas obras representadas, como um delicioso e terno "retrato dos intelectuais da minha aldeia".
O museu encerra às 20 horas de modo que acelerei a visita no final para poder comprar na tienda o catálogo, o que me impediria de deixar tantos dados em branco para os meus indignados leitores. Mas a dita cuja estava já cerrada - coisas de funcionalismo público.
Em conclusão: o museu é em muitos aspectos notável e merece uma visita de pelo menos duas horas.
Para a minha próxima ida tenho já na agenda a visita ao Casco Viejo, núcleo original da urbe, que depois se expandiu para a outra margem do Nervion. Motivos de interesse não faltam, como a Igreja de Santiago, a Catedral de Begoña, o Teatro Arriaga (*), as tascas que oferecem pintxos (tapas), o local onde nasceu Unamuno, etc., etc.
A cidade vive actualmente o drama da possível descida à segunda divisão do mítico Athletic, que ainda no passado fim de semana foi despachado por 3-0 em pleno San Mamés pelo impiedoso Valencia CF. Também motivo de conversas é, como não podia deixar de ser, a questão do terrorismo. O pano espraiado em plena fachada da Diputación Foral: "necessitamos de paz" diz tudo. Irritou-me a hipocrisia do sinistro Otegui a condenar a explosão de uma loja, obra da kalle borroka.
Nas livrarias, como notei anteriormente, a Guerra Civil é assunto omnipresente; quatro meses passados o tema continua a ser o que está mais em destaque e com livros entretanto editados, o que dá uma ideia da saída e interesse que provocam no público leitor. Impressionou-me (imaginem em que sentido) o número de livros (incluindo para público juvenil) prefaciados pelo nobel português ex-saneador no DN de jornalistas incómodos, já para não falar, está claro, das suas próprias obras.
Em contraponto com o que mencionei em Dezembro, desta vez apanhei um restaurante extremamente ruidoso, na verdade um ambiente quase insuportável de ruído e fumo (há muitos restaurantes que à porta têm a indicação de que lá se é permitido fumar).
À guisa de conlusão, queria especular sobre o carácter basco da cidade. Esta tinha menos de 100 mil habitante há 100 anos atrás; por essa altura houve uma vaga de migração de outros espanhóis, estimulada pela industrialização. Hoje, Bilbau tem 400 mil habitantes, a área metropolitana quase um milhão. Na verdade, quantos destes serão bascos "de raiz"? Gerações se passaram e os filhos dos migrantes adoptaram a cultura basca como se os seus antepassados de lá fossem naturais de há muito. Em resumo: são todos espanhóis, quer se queira quer não; para se encontrar bascos em estado "bruto" (étnica e culturalmente) tem que se ir ao meio rural, último reduto dos bascos integrais (e irredutíveis?).
(*) Juan Crisóstomo de Arriaga (1806-1826), natural de Bilbao, foi um músico extremamente dotado que faleceu antes de perfazer vinte anos, por excesso de trabalho. Conhecido como o "Mozart espanhol" (ou "Mozart basco"), da sua obra se salientam os três Quartetos para Cordas e a Sinfonia (de que há uma edição em disco com interpretação da Nova Filarmonia sob a direcção de Álvaro Cassuto).
quarta-feira, abril 26, 2006
Subscrever:
Enviar feedback (Atom)
1 comentário:
Bascos en estado bruto = Otegui
Enviar um comentário