sexta-feira, maio 19, 2006

“Le Rêveur Casqué”

Alguns leitores ainda se lembrarão do texto que dediquei a “Le Rêveur Blessé”, de Christian de la Mazière. Hoje falar-vos-ei da obra anterior do ex-voluntário francês da Divisão Charlemagne, “Le Rêveur Casqué”.
Trata-se de uma obra impressionante, que narra como o autor, com apenas 23 anos em 1944, decide, quando os aliados estão a poucos quilómetros de Paris, alistar-se na referida divisão das Waffen SS. Chega a ter a oportunidade de trabalhar para os americanos mas a fidelidade às ideias e a irreverência da juventude resolvem-no a tomar a opção mais destemida.
A obra, de 1972, narra detalhadamente a forma como de la Mazière vem a integrar a força de elite destinada às acções mais heróicas e desesperadas na Frente Leste. O seu retrato dos seus conterrâneos que tomaram a mesma opção é impressionante, ficando na memória a história do voluntário filho de um operário comunista que um dia, após um bombardeamento aliado sobre os arredores de Paris, depara com toda a família morta. Tomado por um ódio invencível decide alistar-se na Charlemagne.
Não se pense que a integração dos gauleses era fácil: as diferenças de mentalidade face aos alemães eram mais que evidentes e os desentendimentos frequentes. Muitos não escondiam o enorme desprezo que sentiam pelos teutões e pela sua rígida disciplina, que estavam sempre tentados a contornar.
Um dos treinos mais rigorosos consistia em despertar os voluntários de madrugada, que tinham que ir em pelota, em pleno inverno, para o campo; aí tinham que andar, descalços, sobre a neve: a ambientação ao frio russo, portanto.
Passada a fase de treino, os soldados faziam já parte de um dos corpos de combate de melhor nível em todo o mundo. Rumam então à Pomerânia, onde os combates com os “Ivans” (nome que davam aos soldados russos) são ferozes e impiedosos. A descrição da chegada ao local dos combates é arrepiante, bem como a descrição das batalhas subsequentes. Apesar de muito inferiores em número e equipamento, os homens da Charlemagne inflingem revezes sobre revezes aos “Ivans”. Estes semeiam o terror entre a população civil, nomeadamente pela triste prática de violar as mulheres que lhes apareciam pela frente. Mas as baixas do lado da Charlemagne vão diminuindo a capacidade de combate e a certa altura é a debandada. Que se efectua pelo meio das linhas russas; o pavor de serem apanhados é enorme; de la Mazière tinha conseguido esquivar-se à tatuagem ritual dos membros da Waffen SS, que constituía, na verdade, uma sentença de morte para quem com ela fosse apanhado. Os russos tinham um ódio de morte àquela tropa de elite que tantas desfeitas lhes tinha provocado.
A fuga torna-se deseperada e a certa altura o grupo do nosso narrador já é só constituído por uma dezena de soldados, que passam a comportar-se quase como selvagens, sobrevivência oblige, chegando a ameaçar os pobres camponeses alemães que encontram, a quem exigem comida. Um dia, finalmente, são apanhados por soldados polacos, o que vem a ser a salvação do nosso herói, cujo pai era uma figura adorada na Polónia pelo auxílio que prestara ao seu exército duas décadas antes.
Segue-se a prisão, ou melhor, a passagem por diversas prisões, russas, alemãs e francesas.
Mais não conto para não vos tirar o apetite de lerem esta narrativa extraordinária, feita por quem entretanto se afastou dos ideais de juventude. Menção apenas ao relato dos seus encontros na prisão com duas figuras da sua maior estima e admiração: Benoist-Méchin e Lucien Rebatet.
Bonne lecture.


(Christian de la Mazière, à direita, entrevistado para o filme "Le Chagrin et la Pitié".)

3 comentários:

Mendo Ramires disse...

Eis uma deliciosa recensão.
Onde é que encontro o livro?

Flávio Santos disse...

Meu caro Mendo, eu sou um habitué da www.chapitre.com. Pesquisa "Christian de la Mazière" em "livres anciens" e vais encontrar três hipóteses de compra, uma delas por 26€, o que é manifestamente em conta. Se procurares em "livres neufs" encontrarás a outra obra referida, "Le Rêveur Blessé".
Para amortizares o custo do envio é recomendável não comprar apenas uma obra.
Um abraço.

Mendo Ramires disse...

Obrigado pela dica, meu Caro FSantos.