quarta-feira, março 15, 2006

Macios

Nestes tempos de micro-ondas e centros comerciais, em que as pessoas se comprazem «entre a manteiga e o leite» (Léon Degrelle), em que a cartilha politicamente correcta condiciona o que se diz e o que se escreve, em que a virilidade é equivalida a machismo latino, privilegiando-se a sensibilidadezinha, com piscadelas de olho (passe o termo!) à homossexualidade, a própria crítica passou a ser um acto de delicadeza.
Ninguém quer indispor um "criador", por mais abstrusas que sejam as suas "criações"; as obras de arte são sempre válidas, expressam sempre a inquietação do mundo presente, a perplexidade do homem face ao devir, a ausência de solidariedade, a angústia do existir... Quem é que não identifica esta arengada, reproduzida ad nauseam nas páginas culturais da pasquinada de ref(v)erência?
Outrora, a crítica expressava simplesmente o que o crítico pressentia da obra analisada e não se usavam meias palavras para a louvar ou demolir. Este preâmbulo ocorreu-me ao reflectir sobre a forma livre como vários compositores falavam de si próprios. Se muitas vezes os elogios eram enormes (como Schumann, por exemplo, sempre atento aos prodígios da sua época, podendo ser aqui citada a sua tristeza profunda pela morte do muito jovem e prometedor compositor Norbert Bürgmuller), noutras arrasavam-se completamente autores que hoje são criadores admirados.
Por exemplo, Richard Strauss, que foi inovador na sua época, representando o pós-wagnerismo em óperas então escandalosas, como "Salomé", nem por isso era especialmente benevolente com colegas de ofício inovadores à sua maneira. Soam-nos hoje como terrivelmente cruas e cruéis as suas palavras sobre o criador do dodecafonismo (que era suposto assegurar a preeminência da música alemã por 100 anos), Arnold Schönberg: «Schönberg seria mais útil à sociedade se se dedicasse a limpar a neve das ruas em vez de se sentar defronte de uma partitura». Arrepiante.
Mas o próprio autor da "Noite Transfigurada" não era meigo com outros: dizia ele de John Cage que ele bem podia bater com a cabeça nas paredes as vezes que quisesse que nunca iria perceber o conceito de melodia!

1 comentário:

Anónimo disse...

É assim mesmo, sem lubrificante!
Quem se põe a jeito, sem jeito leva!
E na pintura o panorama não é melhor: alternamos entre maneirismos e simplificações castradas!
Mas não nos podemos queixar, merda há para todos e quanto mais cara melhor!

Legionário