Faz hoje dois anos que faleceu o poeta Rodrigo Emílio, que aqui homenageamos recorrendo a uma sua entrevista imaginária sob o título
EXERCÍCIO DE HISTÓRIA
Indo eu levar alpista
a uma ave que eu cá sei,
tropecei num jornalista
e uma entrevista lhe dei. Esta:
P. – Podemos, ou não, chegar à fala?
R. – Bem sabe que, com o advento da Pintassilgo, voltámos ao tempo em que os animais falavam. Por isso, fale.
P. – Sendo assim, fará a fineza de me dizer onde é que estava e o que fazia, aqui há dez?...
R. – Estava em Nampula e passeava-me por avenida e avenidas de acácias.
P. – E hoje?
R. – Hoje em dia, estou em Lisboa e passeio-me por avenidas e avenidas de Acácios.
P. – Que eu saiba, nunca foi outra a paisagem humana desta terra... Já assim era, por exemplo, na infância da República.
R. – Só que nesse tempo, ainda Sá-Carneiro era nome de poeta. Não era, como agora, o nome de um pulhítico...
P. – Por onde mais tem andado, neste meio-tempo?
R. – Se quer que lhe diga, principalmente por Espanha.
P. – E aquilo por lá, que tal vai indo?...
R. – Quase tão mal como aqui. Situações, no fundo, bastante parecidas, sabe o senhor?!
P. – Não me diga outra!?...
R. – É o que lhe digo: nós, à pega com os Vascos; eles, à ora com os bascos.
P. – Então, e a Falange?... Que é feito da chamada Falange de apoio?...
R. – Desmembrou-se em Falange, falangina e falangeta, calcule só!
P. – Mudando de assunto, diga-me cá: que vida leva?
R. – Vida literária. Que me lembre, nunca tive outra; e assim como assim, agora também já não quero outra vida...
P. – Quando recebeu ordens de escritor?
R. – Saiba o meu caro senhor que eu nunca recebi ordens de ninguém.
P. – A sua divisa?
R. – Poésie d'abord.
P. – Considera-se um poeta engagé?
R. – Considero-me, sobretudo, um poeta engageant.
P. – É curioso que a esquerda também está cheia de poetas comprometidos.
R. – Engana-se. A esquerda está cheia de poetas comprometedores.
P. – Que diferença existe, no seu entender, entre um poeta de direita e um poeta de esquerda?
R. – A mesma que existe entre um poeta cósmico e um poeta cómico.
P. – E em matéria de bagagem cultural, qual é, a seu ver, a distância que vai de um homem de direita a um homem de esquerda?
R. – É a mesma que vai do grand Litttré ao petit Larrouse, meu caro senhor.
P. – Que pensa da Catarina Eufémia?
R. – Penso que é o cúmulo do eufemismo.
P. – Sabe que passa por ser uma caneta endiabrada?...
R. – Dizem que sim.
P. – Afinal, porquê?
R. – Olhe: primeiro que tudo, porque me dou ao luxo de não ter apoderados, o que desde logo significa que não sou uma caneta de vida fácil... E depois, também, porque não sou artigo de utilidade pública.
P. – Ai não?!...
R. – Não. E já agora, em vista disso, passe vocência melhor do que merece, só para não dizer que passe o pior possível!... De jornalistas estou eu fartinho até aqui. Percebeu? Até aqui!
(Socorri-me das pontas do cabelo e desandei).
In "A Rua", n.º 180, pág. 22, 22.11.1979.
terça-feira, março 28, 2006
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1 comentário:
A jornalista bem poderia ser a Fátima Campos Ferreira, cretina até mais não. :-)
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