segunda-feira, maio 01, 2006

Um concerto memorável

No passado sábado a Gulbenkian levou ao palco uma versão de concerto da genial ópera "Salomé", de Richard Strauss. Há pouco mais de um ano falámos dos 100 anos cumpridos sobre a sua estreia. E o que é certo é que a obra não perdeu fulgor, continuando a impressionar as audiências pela sua expressividade orquestral e dramatismo exacerbado. E a plateia do Grande Auditório aplaudiu longamente de pé os intérprets, com destaque para a magnífica Mlada Khudoley (como Salomé), Esa Ruuttunen (Iokanaan - São João Baptista) e o maestro titular da orquestra, o americano Lawrence Foster (cujo trabalho de dois anos entre nós tem logrado uma melhoria do som da orquestra, bem como o alargamento do seu reperório, sendo actualmente normal a inclusão de obras contemporâneas - amiúde incompreendidas pelo público, excessivamente conservador, da FCG).
A peça de Oscar Wilde, na qual se baseia o libretto da ópera, centra-se no episódio bíblico da princesa Salomé, filha de Herodias e enteada do rei Herodes (que casou com Herodias após esta ter morto o marido e pai de Salomé). Vivendo num ambiente de deliquescência moral e hedonismo, a princesa não prima pela clarividência, cedendo às suas tentações, no caso, uma obsessão pela figura do aprisionado profeta, o Baptista. Recusando este, horrorizado, os seus avanços, impõe ao padrasto, após o satisfazer com a famosa Dança dos Sete Véus, que lhe seja servida numa bandeja de prata a cabeça de São João Baptista. Bem tenta o Herodes (por receio da figura do profeta) dissuadi-la, oferecendo-lhe metade do seu reino ou as mais belas jóias: a princesa repete, num crescendo de impaciência: «Ich will den Kopf des Jochanaan!» («quero a cabeça de Iokannan!»). Quando esta pretensão é satisfeita, Salomé pode então lograr o que não tinha conseguido do profeta: beijar os seus lábios. Enojado e horrorizado, Herodes manda de imediato matar Salomé.
Apesar da versão de concerto, os intépretes não se limitaram a cantar, mostrando bastante expressividade, como se estivessem efectivamente a representar os personagens em palco. A orquestra esteve muito bem, com merecido destaque para os sopros, sem desprimor para as cordas no seu conjunto.
O dramatismo da acção alterna a espaços com momentos relativamente divertidos, como a discussão entre os cinco judeus, cada um com a sua interpretação da divindade, ou a reacção de Herodes quando lhe dizem que o Messias (anunciado pelo Baptista) tem o poder de ressuscitar os mortos:

Primeiro e Segundo Nazarenos: «Sim, senhor. Ele ressuscita os mortos.»
Herodes: «Proíbo-o que o faça. Seria terrível se os mortos regressassem!»

o que demonstra pateticamente como Herodes tem na consciência os crimes que praticou.

Foi, em resumo, um concerto notável, que vai ficar na memória daqueles que a ele assistiram.

2 comentários:

Anónimo disse...

È só Koltura! È assim mesmo, carago!

http://poderdemocratico.blogspot.com/

O amigo e camarada "Thoth" fez-nos uma surpresa!

Abraço (ao alto)
Legionário

JSM disse...

Caro FSantos
Venho visitá-lo e aproveitei para ler o seu interessante 'libretto' sobre a ópera 'Salomé'. Cá por casa também apreciam as suas incursões musicais!
Mas hoje vim vê-lo por uma questão mais próxima, uma questão de solidariedade e destino numa semana de espera...
Um abraço de esperança.