É um balanço impressionante (atendo-nos apenas à vítimas já contabilizadas) aquele que três anos de ocupação do Iraque por parte dos EUA e seus aliados de ocasião provocaram. A manipulação de massas que constituiu a patranha das armas de destruição maciça transformou-se em "cruzada pela democracia", com os lindos resultados que estão à vista: um país completamente desagregado, em estado de guerra civil de facto, os conflitos de religião exacerbados histericamente, infraestruturas destruídas, o pânico diário reminiscente daquele que viviam os habitantes de Sarajevo durante o reino dos snipers sérvios - o quadro assemelha-se notavelmente ao de uma Somália ou qualquer outra república africana assolada e fragmentada por conflitos internos, tantas vezes instigados de fora com objectivos inconfessáveis.
É realmente extraordinário o alcance da suposta "superioridade moral" das democracias. O mesmo acto praticado por uma ditadura e por uma democracia tem uma interpretação oficial diferente. Há pouco menos de uma década o governo de Paris, na altura chefiado pelo democratíssimo Lionel Jospin, com a cobertura do presidente Chirac, promoveu um golpe de estado no Congo-Brazzaville, cujo governo teve a "insensatez" de quebrar o acordo petrolífero que tinha com a gaulesa Total. Resultado: guerra civil, chacinas - mas os "bons" triunfaram.
Desde 1991 que os americanos e seus aliados decidiram que Saddam = Hitler = perigo para a humanidade (muito em particular para um certo país vizinho). Enquanto não o destronaram não descansaram. Tudo em nome da democracia, julgada a panaceia para os males do Médio Oriente. O ex-homem forte de Bagdad é agora condenado à morte. Os seus crimes são, efectivamente, imensos. Para além da guerra com o Irão, a população civil do Iraque foi vítima em larga escala da barbárie de Saddam: curdos, xiitas, oposicionistas reais ou imaginários. Não serei eu a lamentar o destino que coube em sorte a Saddam.
Mas também é legítimo interrogarmo-nos sobre os mandantes - escudados na tal "superioridade moral" - da invasão do Iraque, para a qual não havia pretextos válidos e para a qual o planeamento foi grotescamente inexistente. Só a título de exemplo, a decisão de dissolver o exército lançou na rua milhares de pessoas armadas e dispostas a combater o invasor ou, mais prosaicamente, a dedicar-se ao banditismo. Não ocorreu a Rumsfeld, Wolfowitz e outros amiguinhos neo-cons que a capacidade de adaptação da tropa a um novo senhor é enorme e que se hoje se jura por um chefe amanhã poder-se-á jurar por outro, inimigo daquele.
Se Saddam se calhar merece bem a corda com que vai ser enforcado, muitos "guys from Washington" deveriam ter o mesmo destino pelos crimes que cometeram e cujas consequências trágicas estão longe de ter fim.
2 comentários:
Não nos podemos esquecer que na altura do alegado massacre dos kurdos (pelo qual é condenado), Saddam era um precioso aliado de Washington, Paris, etc.
Saddam cumpriu uma missão muito importante, manter o louco do Khomeini do Irão ocupado.
O problema dele foi o ter-se virado contra os israelitas...
Ele não merece a corda porque ninguém a merece por questões de representação política. Seria preciso enforcar primeiro os seus apoiantes, os seus amigos, as nações que o apoiaram, que mantiveram relações com ele, ou seja, com o país que ele representava e representa. Por isso Caro amigo FSantos não vale a pena condenar os americanos e continuar a colaborar com eles. Se Saddam for executado a sua morte é mais grave do que todos os ditos genocídios que agora nos obrigam a sacralizar.
O nosso tempo não percebe isto e precisa de justificar a sua ignorãncia com 'aquilo'.
Já para não falar na farsa do julgamento.
Um abraço.
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