quarta-feira, setembro 12, 2007

Experiências livrescas traumáticas

Do que o Pedro se havia de lembrar: pedir-me para listar «as dez piores experiências livrescas» por que passei.
Sou um leitor que normalmente faz uma triagem rigorosa daquilo que pretende ler, por falta de tempo para perder com obras que me não agradem - e por aversão a masoquismos. De aí que não tenha sido fácil lembrar-me de dez experiências de leitura desagradável ou irritante. Assim sendo, aqui ficam oito livros que, como diria Rebatet, quase me caíram das mãos:
- "O Nome das Coisas" de Sophia de Mello Breyner Andresen e "40 anos de servidão" de Jorge de Sena. Dois excelentes exemplos da arte prostituída pela ideologia - e ideologia particularmente nociva! A poesia de megafone em punho, a boa consciência da esquerda, o ódio ao outro campo, particularmente espumoso no caso de Sena.
- "O Capital" de Karl Marx e "Manifesto do Partido Comunista" do anterior em colaboração com o seu amigo, protector, financiador e capitalista Engels. O primeiro tive que estudá-lo no segundo ano de Economia; o grau de simplificações do seu modelo económico, com paralelo apenas na complexidade com que expõe a teoria, é por demais limitador da análise, e de resto pouco mais faz que formalizar o que David Ricardo já identificara, acrescentando-lhe apenas a mais-valia, teoria capaz de atrair um espírito como José Antonio Primo de Rivera (ninguém é perfeito). A necessidade do autor de mostrar o seu saber supostamente enciclopédico, a proliferação de fracções e fracçõezinhas entre os exemplos numéricos completam o grau de penar que este vosso amigo teve que acartar. Foi a minha Sibéria mental!
Quanto ao "Manifesto", expõe com particular perfídia o "ideário" comunista, sendo demonstrador da perversidade intrínseca da ideologia; que, como na altura Proudhon teve a lucidez de ver, conduziria inevitavelmente a uma ditadura de uma ferocidade inconcebível.
- "Vagão J" de Vergílio Ferreira. Esta obra dos inícios da actividade escrevinhadora do ex-seminarista é de uma indigência particularmente notável. O pior dos piores exemplos de um neo-realismo já não assente na ternura para com o povo, que torna interessante ler Alves Redol ou Soeira Pereira Gomes, mas no desprezo do intelectual para com o povo que diz defender. Muito marxisticamente, o autor acha que em condições miseráveis o povo não pode ter dignidade; e vai de pintar exemplos "humanos" desse calibre.
- "O Jovem Törless" de Robert Musil. Este retrato de um colégio nos confins orientais da Alemanha e do percurso iniciático do personagem principal teve o condão de me irritar da primeira à última página. Há algum valor literário na obra mas o estilo hermético do autor, os exemplos abstractos (e frequentemente matemáticos) a que recorre e as situações de humilhação, descritas metodicamente, puseram-me fora do sério. Ainda hoje não sei como consegui acabar o livro.
- "O Jardim dos Suplícios" de Octave Mirbeau. Obra de uma crueldade sem nome, mostra dos cumes de barbárie que o niilismo do século que aí vinha alcançaria. Indigesto e repugnante.

2 comentários:

PintoRibeiro disse...

Excelente post e ponto final.
Bom dia e um abraço.

O Réprobo disse...

É curioso, que adorando eu a obra maior de Musil, também sinta um certo desconforto perante o Torless.
Não concordo minimamente é com o Mirbeau. Ainda hoje me deliciam as flores macabras desse jardim, a sombra (até no sentido jungiano) da vida.
Abraço