sexta-feira, dezembro 28, 2007

Lisboa modernizada e envelhecida

Um passeio pela zona do Castelo de São Jorge, em Lisboa, gera alguns sentimentos de perplexidade.
O belo Miradouro de Santa Luzia não vê parar a sua degradação, em particular dos azulejos, que foram sendo surripiados sem vergonha. Ainda assim se podem ver duas representações históricas: o martírio de Martim Moniz (na foto - carregar para aumentar), que permitiu a entrada vitoriosa dos portugueses no Castelo de São Jorge, em 1147; e uma vista do Terreiro do Paço no dealbar do século XVIII, portanto ainda antes do terramoto de 1755.
O Largo das Portas do Sol conserva uma magia que se prende com a bela vista sobre Alfama e o Tejo e com a magnífica luz que o banha. É um dos poisos preferidos dos turistas.
Turistas que, um pouco mais acima, desconsolam o ingénuo português que nutre esperanças de visitar o interior do citado castelo. No meu tempo de meninice podia-se entrar no seu perímetro à vontade, sem pagar; tantas vezes que lá fui andar de bicicleta e apreciar a vista magnífica sobre a cidade, o rio e a outra margem! Hoje, modernos que somos, extorquimos os visitantes à entrada, gerando-se filas intermináveis para a aquisição do ingresso. Por trás das barreiras que se ergueram para vedar o caminho aos eventuais borlistas só se consegue ver parte da estátua do Fundador...
Descendo para a Costa do Castelo nota-se que algumas das belas casas da zona que serviu de habitação a vários membros da família real ao longo dos tempos estão recuperadas - e à venda. O restaurante Chapitô oferece uma vista magnífica mas as refeições, de que desconheço a qualidade, são bem puxadas. Em toda esta zona o trânsito é condicionado.
Mais abaixo, a velha padaria onde a minha avô me comprava magníficos bolos está transformada em restaurante. Estamos agora na zona do Mercado do Chão do Loureiro, imortalizada na película de Arthur Duarte "O Costa do Castelo". Mercado que já não existe: o impressionante edifício de três pisos onde tantas vezes acompanhei a minha avô nas suas compras está ao abandono, conseguindo-se ainda assim vislumbrar algumas bancadas de pedra, onde as vendedeiras expunham os seus produtos. Arrepia ver-se aquele espaço abandonado, espaço outrora cheio de gente (e onde me horrorizava com a morte ao vivo dos coelhos). Toda esta zona da cidade está cada vez mais envelhecida e os moradores estão condenados a comprar os seus víveres em um qualquer Pingo Doce.
Uma das atracções da "praça" (como designávamos o mercado) era a possibilidade de, após as compras, se poder apanhar um elevador até ao terraço, de onde se tinha uma bela vista sobre a cidade. O terraço ainda lá está e o acesso continua livre; lá abancou um café com esplanada, lembrando os assentos uma recolha afortunada de um sem-abrigo (no meu tempo designado por vagabundo - mas, sendo a sociedade culpada "destas coisas", o ónus da designação passa para ela): sofás de aspecto desleixado e até um banco de ginástica! O chão está sujo e descuidado. Descendo junto ao mercado até à Rua da Madalena maior se torna a desolação, com as ruas sujas de tudo e mais alguma coisa e com as paredes colonizadas pelos infames grafittis, que se tornaram a imagem de marca da Europa moderna e tolerante.
Para concluir a passeata há a expectativa de subir o Elevador de Santa Justa - mas também aqui a fila de turistas desencoraja o nativo, já um pouco abatido e com as pernas a pedir descanso.

9 comentários:

Isabel disse...

Quando eu era miúda o meu avô levava-me a passear para o Castelo. Passavámos lá tardes inesquecíveis-ele com o seu livro do dia e eu a explorar o Castelo e a dar asas à minha imaginação. Esta sua descrição reavivou toda esta zona na minha memória mas também me causou uma certa tristeza por tudo aquilo quer perdemos em “favor” do progresso. Agora, longe da minha Lisboa...sinto-me cada vez mais perto dela. Obrigada pelo passeio!

Flávio Santos disse...

E eu agradeço a sua visita, proporcionada pela permanente atenção do João Marchante ao que aqui vou publicando.

Anónimo disse...

Nunca nada é como dantes! Esta absoluta verdade não deixa,contudo, que uma certa nostalgia se apodere dos que amam Lisboa. A decadência em que alguns bairros históricos e com história (passe a redundância) se encontram, como é o caso da Costa do Castelo (ainda assim não tão maltratada como p.ex. a R. da Palma que me viu nascer, talvez por o Castelo ser um chamariz para os turistas) chega a fazer doer. Isto para não falar da descaracterização de zonas como o Martim Moniz que, apesar dos "eterna/ provisórios" pavilhões e dos "saloios" que vinham vender os genuínos produtos da terra (que hoje horrorizariam os "burocratas da C.E, que não se cansam de "zelar" pela n/saúde), davam um colorido á zona e faziam os "alfacinhas" sentir que aquela era a sua cidade. Hoje sinto a cidade cada vez menos minha não por renegar o progresso mas por vê-la tão maltratada! Obrigada pela viagem e pela lembrança dos magníficos azulejos e da soberba vista sobre o Tejo!

Anónimo disse...

Vinda agora do "Afinidades", onde fiz o mesmo pedido, venho solicitar-lhe, caro FSantos, bibliografia que ajude a desvanecer o que na Escola me inculcaram sobre a época medieval.Agradecida.

Flávio Santos disse...

Estimada Cristina,
Para além do sábio conselho do Réprobo, sugiro a leitura dos contra-revolucionários como Joseph de Maistre e Taine, além dos muito nossos integralistas, de António Sardinha a Luís de Almeida Braga, que enfatizaram muitas das liberdades de que os ofícios e os concelhos fruíam e que o movimento revolucionário, etiquetando-nos a todos "cidadãos" (e como tal controláveis) aniquilou.

Anónimo disse...

O caríssimo FSantos deverá saber (com certeza que sabe) que as gigantescas alterações das estruturas económicas e sociais ocorridas com a Revolução Industrial (no fundo a mais relevante de todas as revoluções e que ainda decorre) tornaram completa e irremediavelmente inviáveis as estruturas económicas e sociais que a antecederam.

Um Feliz 2008

O Réprobo disse...

Meu Caro FSantos,
bela lembrança na sugestão à Cristina, integrada numa mundividência em que a Estética e a Conservação do Património enquadram a visãp do Político. Quando o pensamento é de tal forma coerente, as estruturas económicas transformam-se com um simples sopro, assim o Poder seja conquistado.
Abraço

Anónimo disse...

"as estruturas económicas transformam-se com um simples sopro"

Caro Réprobo, compreendo o seu elegante (como habitualmente) exercício de «wishfull thinking» mas penso que está equivocado, muito especialmente nestes tempos.
Ora pense bem.

Não me leve a mal a «provocação» mas a última vez que me lembro de um «pensamento coerente» ter mudado de «um sopro» as «estruturas económicas» foi em Portugal, há pouco mais de três décadas.
Com os brilhantes resultados que conhecemos.
:->

O Réprobo disse...

Porque foi no sentido errado.