sexta-feira, fevereiro 23, 2007

Memórias ideológicas (2)

Estas notas mais não pretendem que dar uma ideia sobre a minha evolução ideológica, sem preocupações excessivas com a cronologia ou com a citação exaustiva de autores.
Uma parte importante deste percurso prende-se com a observação dos movimentos políticos nacionalistas de maior sucesso nos anos 80 (década de que saí com 21 anos). E aqui dois partidos há que destacar: o MSI (Movimento Sociale Italiano) e o Front National.
O MSI, que também significa "Mussolini, sei Imortale", não podia deixar de me atrair pela herança clara que o fascismo deixou no movimento, que quase nunca renegou (até ao aggiornamento de Gianfranco Fini, um homem extraordinariamente inteligente, cuja facilidade e rapidez de argumentação em debates na televisão sempre me impressionou, mas que renegou por pura táctica política os princípios de que de certa forma era fiel depositário), mantendo acesa a chama da Terceira Via. O movimento conseguiu por vezes infiltrar-se no sistema e até apoiou alguns governos; nos anos de chumbo foi sempre uma voz a um tempo defensora da melhor tradição e também voz dos italianos abandonados, em especial os do Sul, onde sempre teve votações generosas. A sua transformação em Alleanza Nazionale adulterou o projecto e, claro, serviu o sistema.
O Front National impressionou-me sempre mais pelas votações obtidas que pela coerência ideológica, que raramente teve. A sua ascensão coincide com a traumática vitória de Mitterrand em 1981 e com a progressiva invasão de França pela imigração terceiro-mundista. Sabendo valer-se do chauvinismo francês, o partido cresceu muito à conta da retórica anti-imigração, congregando uma plêiade de tendências inconciliáveis: católicos tradicionalistas, direita social-radical, alguns monárquicos, extrema-direita racista (ou racialista, como preferirem). Ao mesmo tempo, em franco contraste com o MSI, Jean-Marie Le Pen era um declarado liberal em questões económicas, o que não impediu a crescente atracção de operários que se sentiam traídos pelo PCF. O sistema francês soube por um lado defender-se da ascensão do Front - instituindo o sistema maioritário, que privou um partido com uns 15% de votos de ter qualquer representação parlamentar, e criando um "cordão sanitário" que impedia alianças dos partidos tradicionais com os "racistas"; por outro, valendo-se da sua existência para melhor fazer passar as suas teses imigracionistas e favoráveis à miscigenação, por contraste com a mensagem supostamente racista e xenófoba do movimento. A sensação que fica é que o esforço de milhares de militantes, o protesto de milhões de eleitores, teve o efeito contrário ao (legitimamente)pretendido, tendo o sistema dado uma lição de pragmatismo cínico e, claro, fortemente desonesto.
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(continua)

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